No coração literário

Ele se embrenhou na anhara angolana, a savana africana com suas matas na versão da ex-colônia de Portugal em busca do último canteiro de obras do aproveitamento hidrelétrico que vem sendo construído no rio Kwanza. O Kwanza, ou Cuanza, é uma espécie de rio São Francisco de Angola. Assim como o curso hídrico brasileiro que tem papel estratégico no sustento e na alma da gente que vive às suas margens, o Kwanza concentra valores históricos e econômicos tamanhos que o governo da República de Angola batizou sua moeda, em 1977, com o nome do rio. Além disso, dois Estados angolanos homenageiam o maior e mais importante fluxo d’água angolano. Nas cheias, o Rio Kwanza chega a ter até dois quilômetros de largura. A mitologia angolana conta que os antigos povos encontraram a nascente brotando do tronco de uma árvore, a mussala. Dizem, que, onde tem mussala, brota a água. Era o segundo homem próximo a mim que relatava o desbravamento da África, do ensolarado continente que me fascinava na infância pelos pores de sol transmitido em algum filme de safári da Sessão da Tarde. Filmes de expedição que faziam a minha barriga gelar. Não à toa, o primeiro conto, ou, a primeira tentativa minha de escrever uma historinha de ficção teve a selva africana como cenário e expedição como trama: ‘O rinoceronte branco’. No meu continho de uma página, escrito à lápis num sulfite, um pesquisador se arrisca no coração da selva para proteger o último rinoceronte da raríssima espécie branca, absolutamente albino.
Antes dele, quem havia me contado sobre o que havia vivido na África tinha sido o meu tio Luiz, a quem dediquei ‘Contos do Japim’ e transformei em ficção algumas das suas experiências africanas no conto ‘Nosso Homem na África’ - uma das oito narrativas que formam ‘Contos do Japim’. Nildo Carlos Oliveira, jornalista e escritor, me relatou mais. Também esteve em Havana, a mesma de Ernest Hemingway e Gabriel Garcia Márquez. Contou as impressões da terra do socialismo caribenho. De Nildo havia lido ‘Olho por Olho’, que agora conservo uma edição autografada pelo próprio escritor. Quando despertou para o jornalismo, através da veia literária, conviveu com um monstro sagrado das letras brasileiras: Osório Alves de Castro, autor de ‘Porto Calendário’ e ‘Maria Fecha Porta prau Boi não te Pegar’. Sempre tive curiosidade para saber como era o comportamento pessoal do alfaiate que costurava ideias na Marília das décadas de 1940, 1950 e primeiros anos da década de 1960 – época, aliás, em que o Brasil conheceu o talento de Osório. Do que Nildo me contou sobressaiu, na minha interpretação, a convicção. Era um homem convicto e com o São Francisco como uma de suas fontes de inspiração.
Somente com convicção é que do coração literário brotam enredos e mensagens. Dedico esta crônica a Nildo Carlos Oliveira e ao meu tio Luiz.

Ramon Franco Por Ramon Franco

 

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