‘Os olhos cegos dos cavalos loucos’ é o magnífico título do livro de Ignácio Loyola de Brandão, obra que conquistou o 2º lugar na categoria juvenil do prêmio Jabuti.
O Jabuti, como o próprio Loyola comenta no depoimento que ele transmitiu sobre conquistar este reconhecimento, é o Oscar do mercado editorial brasileiro.
Quando me encontrei pela primeira vez com o Ignácio, em Marília no ano de 2010, o escritor relatou que estava germinando uma nova trama, um enredo que remetia ao seu avô. Assim como o meu pai, o avô do escritor Ignácio era marceneiro.
Saber disso foi tão significativo para mim que, quando me dirigi ao escritor de Araraquara me referi primeiro à coincidência das profissões de meu pai e do seu avô, e, só depois, me apresentei como jornalista e escritor, ou seja, as duas profissões que nós dois desempenhos em comuns.
Me recordo da forma calma, recheada de saudosismo e reminiscência, repleta de carinho, ternura, mas com uma pitada de remorso, que Ignácio contou quando lhe ocorreu a trama de ‘Os olhos cegos dos cavalos loucos’.
Num tempo remoto, o avô do escritor havia construído um carrossel em sua marcenaria e, este brinquedo feito de madeira com alguns cavalos, representava a alegria e a felicidade de dezenas de crianças do Interior paulista.
Carrossel é um elemento significativo por vários motivos. Se alguém já assistiu ao filme ‘Walt nos bastidores de Mary Poppins’, um longa-metragem com o Tom Hanks no papel de Walt Disney e Emma Thompson no papel da escritora criadora da personagem Mary Poppins, a australiana P.L. Travers, terá uma noção mais nítida da magia de um carrossel na criação.
Sem querer fornecer spoiler, ou ser o estraga prazer de revelar trechos de filmes, mas o carrossel era o brinquedo preferido de Walt Disney mesmo em sua magnífica Disneylândia. Carrossel também tinha peso crucialmente emotivo nas memórias afetivas da rígida australiana P.L. Travers.
Certa feita, o carrossel do avô do escritor Ignácio sofreu a tragédia de um incêndio. Das cinzas, o avô marceneiro resgatou os olhos dos cavalinhos de madeira, que eram, na verdade, bolinhas de gude. Burquinhas, como se diziam lá na minha infância nos terrenos baldios e campinhos de futebol de Paraguaçu Paulista.
Resgatadas das cinzas, as bolinhas de gude foram acomodadas em uma caixa, embaixo do banco de marceneiro do avô. O banco de marceneiro é outro elemento recheado de reminiscência, principalmente para quem é filho ou neto de um marceneiro.
O menino Ignácio descobriu, tempos depois, onde estavam escondidas as burquinhas e, sorrateiramente, passou a subtrair uma aqui, outra ali e, para o desespero geral, foi perdendo as bolinhas nas partidas de triângulo, nada-brinques, cabecinha… Até que não sobraram quase nada dos olhos dos cavalinhos. Isso marcou a infância de Ignácio, que transformou este momento no livro ‘Os olhos cegos dos cavalos loucos’.
Perpetuar olhar em forma de letras, livros, poesias e romances parece ser um dos papéis dos escritores. Os de ressaca de Capitu, traduzidos por Machado de Assis em Dom Casmurro, são os mais marcantes da literatura brasileira.
Na contemporaneidade literária, os olhos cegos dos cavalos loucos levaram um Prêmio Jabuti. E já teve escritores de Marília que ganharam o Jabuti: o primeiro foi Osório Alves de Castro, o escritor que exercia a profissão de alfaiate, levou o prêmio em 1962, disputando com romancista de dar arrepio a qualquer autor concorrente, como Jorge Amado e Guimarães Rosa.
Mais recentemente, o dramaturgo Oswaldo Mendes conquistou o terceiro lugar com ‘Bendito Maldito: uma biografia de Plínio Marcos’. Se incluirmos os escritores que por aqui moraram e consideraram a cidade como berços de suas formações, podemos incluir Domingos Pellegrini, que hoje vive em Londrina. Domingos sentiu-se escritor no período em que morou em Marília. Mas este será assunto para outro texto de ‘Entre linhas, entre livros’.
Por Ramon Franco