Literatura em Iguape

Reluto muito em denominar cidades, ruas ou pontos geográficos nos meus textos narrativos. Ah, antes, preciso contextualizar o leitor menos adepto aos assuntos literários que, quando cito narrativa estou me referindo única e exclusivamente à literatura, pois com tantas histórias narradas para a Polícia Federal neste estouro de boiada da Lava-Jato, a imprensa achou mais fácil definir as revelações de esquemas e falcatruas como ‘narrativas’.

Mas, voltando ao processo criativo, ou melhor, ao estilo adotado para compor um processo narrativo, reluto muito em citar nomes de municípios, bairros ou localidades.

Isso se deve basicamente pelo fato de que não gosto de limitar a imaginação do leitor. Pois, se batizo um determinado ponto com um nome já existente, acabo por direcionar a interpretação. Entendo que o leitor precisa ficar absolutamente livre para a imaginação fluir.

Digo tudo isso [e este texto já começou com um baita nariz-de-cera, algo abominável para os jornalistas noticiosos] para citar a cidade de Iguape.

Li na sexta-feira, que até domingo, dia 12 de junho, o município localizado no Vale do Ribeira, que contempla o trecho Sul do litoral paulista, estará abrigando a quarta edição do Festival Paulista de Literatura.

A atividade começou na quinta, dia 9. Quando criança, a primeira vez que vi o mar foi em Ilha Comprida, quando a localidade ainda era distrito de Iguape. Ilha Comprida só viria a se tornar mais um município paulista anos depois da minha visita.

Mesmo criança, consegui sentir o peso histórico de Iguape, uma das primeiras regiões a ser ocupadas durante a colonização do Brasil. Senti peso semelhante quando estive em Niterói, muito tempo depois e quando já estava ingressando nas fileiras literárias.

Tem cidades que a história pulsa, corre em suas veias, fica latente, tentando nos contar tudo o que elas abrigaram em décadas de existência. É um marco aqui, um cruzamento que entrou para o enredo do mundo ali, a casa que abrigou a reunião que resultou em tal situação. E por aí vai.

Iguape ficou na minha memória, sua igreja e a imagem do Cristo, o Bom Jesus de Iguape. Quando estava escrevendo o romance policial ‘A próxima Colombina’ [editora Carlini & Caniato, 2014] inclui Iguape na trama. Depois, relutei e, antes de enviar ao editor Ramon Carlini, retirei a menção ao município. Hoje me arrependo.

Não apenas pela cidade merecer ser mencionada em um livro, mas pelo peso literário que o município me revelou. Isso sem contar o Festival Paulista de Literatura. Iguape é cenário de um dos contos do escritor Albert Camus [1913-1960].

Camus, na sua primeira visita ao Brasil, conheceu Iguape na companhia de um modernista: Oswald de Andrade [1890-1954]. Em suas andanças pela cidade, o vencedor do Nobel de Literatura recolheu vivências suficientes para escrever um dos seis contos do livro ‘O exílio e o reino’.

Impressionado com a força da fé das pessoas de Iguape, o autor de ‘O estrangeiro’ transformou em ficção o que viveu e, assim, deu vida à narrativa ‘A pedra que cresce’. Pode-se dizer que, de certo modo, a pedra que aumenta é uma crença em Iguape. E crença, assim como as cidades, é elemento que também inspira escritores.

 Ramon Franco Por Ramon Franco

 

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