Foto: Ramon Barbosa Franco
Baiano.
Apenas este adjetivo já representa uma qualidade primordial deste escritor que em 2008 foi reconhecido com o Prêmio Camões, considerado o principal título literário para escritores de língua portuguesa.
O Camões contemplou a trajetória literária de um membro da Academia Brasileira de Letras, autor de obras valiosas e detentor de uma risada contagiante: João Ubaldo Ribeiro.
Nascido em 1941 na Bahia, Ubaldo cresceu em Sergipe e teve na sua formação de escritor o Jornalismo e o Direito, além da convivência efervescente com gênios da cultura brasileira e baiana. Faleceu há dois anos, em 18 de julho de 2014.
Dois nomes sintetizam suas influências: o cineasta Glauber Rocha (diretor de ‘Deus e Diabo na Terra do Sol’ e ‘Terra em Transe’) e o romancista Jorge Amado (autor de ‘Capitães da Areia’ e ‘Tenda dos Milagres’).
Autor de obras valiosas, como ‘Viva o Povo Brasileiro’, ‘O sorriso do lagarto’ e ‘Sargento Getúlio’, João Ubaldo Ribeiro tem ampla produção jornalística, com uma presença ativa na crônica brasileira. Intelectual irreverente, sempre com inteligência e bom humor transmite seus recados aos leitores e população (além de jornais brasileiros, Ubaldo é colaborador de periódicos da Alemanha, Portugal e Inglaterra).
Da safra literária deste baiano altamente irônico, a que mais me agrada é ‘Sargento Getúlio’. Escrito de um jeito que parece que foi feito tudo de uma só vez, o romance, publicado em 1971 – e que, anos depois, em 1983, foi adaptado ao cinema com exímia interpretação de Lima Duarte no papel-título – lhe rendeu o Prêmio Jabuti de autor revelação em 1972.
O desencadeamento dos fatos narrados – a escolta de um preso político pelo ‘famigerado’ sargento Getúlio – tem o embalo deste integrante da força pública nordestina.
Em vários trechos deste monólogo o leitor terá a certeza de que Getúlio Santos Bezerra é a encarnação do Cão, tamanha sua voracidade e agressividade, sempre recheada por prazer sádico em machucar.
Ao ter contato com esta obra-prima de Ubaldo, me ocorreu, pelo tom narrativo, uma associação mista entre Guimarães Rosa, no modo como compôs ‘Grande Sertão: Veredas’ e seu personagem-narrador Riobaldo, e Jack Kerouac, o norte-americano precursor da geração Beatnik, que em ‘On the road’ (livro traduzido para o Brasil pelo historiador Eduardo Bueno e que recebeu o título de ‘Pé na estrada’) escreveu tudo de uma só vez, inclusive colando as folhas de sulfite que saiam de sua máquina de escrever durante a produção do original do livro, criando, assim, um verdadeiro rolo-pergaminho.
Outra semelhança com o mineiro Guimarães é o tom regionalista, com expressões de seus personagens: ditos próprios de um território, tanto geográfico, quanto mítico. É no jeito de falar e de contar de Getúlio que o leitor tem noção do que se passa em todo o livro.
A sequência contínua, com um fôlego intenso página a página, sem perder o raciocínio e a conduta, a meu ver, garante sintonia entre Kerouac e ‘Sargento Getúlio’.
Ubaldo, acima de tudo, além de ser um dos grandes nomes da literatura do idioma português do Século XX, manteve uma personalidade carismática e alegre em meio a tanta genialidade, talento e intelectualidade.
Tem ao menos dois depoimentos dele onde a palavra ‘flatulência’ aparece como personagem central. Em um está a presença marcante de Glauber, outro baiano gênio indomável das artes brasileiras.
A segunda foi a forma como ele adjetivou a série de filmes ‘Guerra nas Estrelas’, produzida por George Lucas, ao tentar convencer seu filho a ler os épicos gregos, como ‘Ilíada’, de Homero. “Meu filho, ‘Star Wars’ diante de ‘Ilíada’ é uma flatulência da indústria cultural. Vai ler Homero”, provocou Ubaldo.
– Em tempo: segunda-feira, dia 25, é o Dia do Escritor Brasileiro. Decidi reproduzir este artigo, que escrevi entre 2011 e 2012 – creio – para homenagear os autores brasileiros.
Aqui, em especial, faço referência aos escritores baianos: Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e a dois marilienses-baianos: Osório Alves de Castro e Gustavo Felicíssimo. Felicíssimo, poeta e editor, me concedeu a honra de prefaciar a sua canção do exílio intitulada ‘Blues para Marília’ [Mondrongo, 2013].
Por Ramon Franco
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