Caso raro

Caso raro, mas acontece. E aconteceu comigo na semana que terminou. Cresci assistindo à Sessão da Tarde. Sou daquela geração que entrava em agonia quando tocava a musiquinha e… ainda era a abertura do Vale a Pena Ver de Novo, principalmente quando se reprisavam aquelas novelas quase em preto-e-branco.

E delirava quando estava em cartaz filmes do Jerry Lewis, King Kong, Karatê Kid, Planeta dos Macacos, os do Indiana Jones ou Curtindo a vida adoidado.

Sem contar os Goonies e o Corcel Negro. Tinha um filme que me deixava entusiasmado e querendo, literalmente, partir para o confronto com alguém que me desafiasse no jogo de bola lá no campinho perto de casa.

Era um filme que contava a história de uma gangue que, equivocadamente, acabava acusada de assassinato e, para salvar suas peles, os integrantes precisavam fugir tanto da polícia, quanto das outras gangues: ‘Os Selvagens da Noite – The Warriors’.

Já li ao menos dois grandes autores contemporâneos que são apaixonados pelo filme. Também sou fã da trama, que se passa em só uma noite e é repleta de confrontos, desencontros e correria para se chegar, de metrô ou a pé, até Coney Island, o reduto dos Guerreiros.

O caso raro que me refiro é o seguinte: ‘The Warriors’ é um filme inspirado em livro homônimo de Sol Yurick. Neste caso, o livro não é tão bom quanto ao filme, de 1979 que foi  dirigido por Walter Hill – que me entusiasmava nas tardes de minha infância.

O elenco do filme, pelo menos para mim, era completamente desconhecido, de modo que eu sempre achei que aqueles caras eram realmente membros de gangues de Nova York.

Posso ter errado, mas não achei nenhuma frase no livro como a célebre provocação de um dos caras que acusam os Guerreiros de assassinato: ‘Guerreiros, venham brigaaar! Guerreiros, venham brigaaaar! Guerreiros, venham brigaaar!!!’. Provocação marcada pelo ritmo de três garrafinhas socadas em seus dedos.

O livro de Yurick não é de todo ruim, mas apresenta uma trama truncada. Isso na minha visão de crítico bissexto que sou.

Aliás, os Guerreiros não chamam Guerreiros, mas Dominadores. Mas há toda uma atmosfera maior do que a própria trama. Yurick não quis compor uma simples narrativa de jovens componentes de gangues, mas sintetizar os movimentos sociais em combate pela transformação da realidade em suas esferas cotidianas.

Neste caso raro, devo ressaltar outro ponto: o prefácio escrito pelo próprio autor, na verdade um artigo, tem grande peso para a compreensão da atmosfera de produção de ‘The Warriors’.

Interessante notar que, Sol Yurick, chegou a alugar um furgão e estacioná-lo nas proximidades de bairros que abrigavam gangues só para observá-las à distância. Neste caso raro, prefácio e filme superaram a forma textual de Sol Yurick.

Mas, justiça seja feita, livro e filme são duas grandes obras que, de uma forma ou outra, cumprem suas missões: a de encantar, ou fascinar, quem lê ou quem vê. Detalhe: o herói do filme não tem o caráter do herói do livro. O do livro é só agressivo. O do filme é um herói, que mesmo sendo um anti-herói, preserva princípios.

Ramon Franco Por Ramon Franco

 

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