A resenha de hoje no portal OnLiterário é catalogada num gênero muito especial: a literatura policial. Confesso que já estava com saudades de uma boa trama policial. Mais interessante ainda é saber que essa ótima obra é de um conterrâneo e de um escritor muito talentoso.
O autor que descrevo é Ramon Franco, jornalista mariliense que hoje trabalha como assessor de imprensa. Graduado em jornalismo, Ramon tem um currículo vasto, mas a obra que iremos tratar é um trabalho inaugural do escritor em páginas romanescas. A próxima Colombina é o cartão de visitas para novas obras e novas empreitadas.
A obra é uma soma de experiências do autor como jornalista e editor de um grande jornal de Marília. “O que observei na arte devo responder com minha vida” (Bakhtin), deste modo, com estas palavras, ilustro e digo o que o jornalista Ramon Franco fez: ele deu uma resposta – através de um grande livro – à sua experiência de jornalista.
Para saber mais sobre o autor e suas obras anteriores, procure-o nas redes sociais. Ele também é nosso colunista. Assim, acompanhe os seus textos no nosso portal OnLiterário.
Temos, então, o romance policial A próxima Colombina, um livro de 160 páginas, publicado e lançado pela editora Carlini e Canato. Dividido em 12 capítulos, o livro conta com um ótimo material gráfico e um bom trabalho de diagramação. Vale a pena salientar que a capa do designer Marcelo Cabral é uma verdadeira obra de arte e certamente favorece o clima para o suspense policial.
O lançamento aconteceu no dia 20 de dezembro de 2014 na livraria Milani em Marília, São Paulo, e contou com diversos participantes. Hoje o livro já pode ser adquirido em diversos sites de vendas na web ou com o autor. Então, não fique esperando, compre o livro e conheça esta bela obra do escritor Ramon Franco.
Construção e enredo
Primeiramente, o livro retrata a violência que existe contra as mulheres. Violência noticiada todos os dias e em todos os jornais e mídia que conhecemos. A partir desse pressuposto ruim, temos o enredo de A próxima Colombina.
O enredo foi bem desenvolvido e dividido em 12 capítulos. A primeira coisa que chama a atenção é a falta de títulos para cada capítulo, o que não gera antecipação dos acontecimentos e fatos, proporcionando uma experiência agradável de leitura, deixando o gostinho de quero mais. Trata-se, portanto, de um romance policial que não nos apresenta o que virá; suspense que faz a leitura fluir.
O autor optou por uma construção com muita narração e pitadas de descrição. Tudo isso favorecido pelo foco narrativo escolhido: um narrador em terceira pessoa, que apresenta a história para o leitor com tanta naturalidade que me inclina a dizer o quanto se parece com uma câmera de cinema fluindo a história numa grande tela, porém essa tela é nossa mente.
A partir disso, temos o local da narrativa, o espaço no qual os eventos ocorrem. O livro surpreende também por apresentar, como palco principal, uma cidade do interior. Porém, em nenhum momento, o nome é citado. Mas a narração de cenas e situações faz o leitor, intrinsecamente, compreender e identificar esses locais.
Além da narrativa principal, temos outros acontecimentos que surgem no decorrer da história, simultaneamente com nosso romance policial. Esses pontos de escape não prejudicam a história, na verdade acabam até amarrando o enredo, pois retratam com certa fidelidade a rotina policial.
Sobre os personagens, podemos dizer que existem dois núcleos. O primeiro núcleo é a do policial; o herói da história. O segundo é a do serial killer; o bandido da história. Todos os personagens são importantes para o enredo e foram bem construídos. Mas, certamente, o gênero policial é a resposta principal para termos essa polarização do mocinho e do bandido.
Resumo
Tudo começa com um baile de carnaval, mais precisamente com o último dia deste baile; uma terça-feira. Se é carnaval, temos fantasias, alegorias e, fundamentalmente, Pierrôs, Colombinas e Arlequins. Personagens que remetem ao princípio da carnavalização, nos tempos em que a festa servia como catarse, no qual o povo se fantasiava para criticar vícios da Igreja e do Estado, logicamente constituídos na Idade Média.
Celina está numa destas festas, num baile com todos esses personagens cômicos e essencialmente míticos. Porém, um personagem chama a sua atenção, um Pierrô. Temos, então, a primeira ponta do enredo.
Como fuga da realidade, Celina acaba encantada pela figura misteriosa. Sem conhecê-lo, sem ver o seu rosto, Celina começa a ter uma obsessão platônica pela figura daquele baile de carnaval. Isso a levou para um caminho sem volta. Temos, então, o primeiro crime, ou a primeira evidência de que algo errado pode estar acontecendo.
Coloquem nesse contexto mais alguns fatos e histórias paralelas, proporcionadas pela narrativa do cotidiano do delegado Lúcio. A princípio, não há o que ser investigado, pois são fatos e mortes isoladas, com nenhuma ligação entre as pessoas. Porém, a partir disso, temos uma reviravolta fantástica na história. O Pierrô é simplesmente alguém que não falarei o nome neste resumo. Quer descobrir? Leia o livro!
Somente digo que existirão vários crimes para o delegado e herói da história desvendar, com uma ligação inusitada dos fatos e pessoas, criados na mente doentia do Pierrô.
O final também é surpreendente, pois, depois de muitas suposições e cartas jogadas na mesa, a carta com o verdadeiro coringa, ou melhor, a pessoa que cria o Pierrô somente é descoberta nos últimos instantes.
O mito na carnavalização
Por isso o artista nada tem a dizer sobre o processo de sua criação, todo situado no produto criado, restando a ele apenas nos indicar a sua obra; e de fato, só aí iremos procurá-lo. (BAKHTIN).
Sabemos com base em Bakhtin que a obra criada é responsiva. Ela já não está mais no campo de domínio do autor. Este passa a ser um espectador. Neste caso, as visões de mundo, mesmo que não neutras, são articuladas por personagens que possuem características próprias.
Assim, podemos tratar a obra com autonomia. Nela encontramos todos os elementos para uma análise fecunda. Por isso, a nossa visão não poderia deixar de tratar o mito na carnavalização.
O trabalho específico não é tratar o mito como elemento do fantástico, mas, sim, tratar o mito e suas características, tal qual Bakhtin tratou na obra Rabelais; A Cultura Popular na Idade Média o mito como um elemento cômico e de características carnavalescas.
Mas a teoria da carnavalização não tem nada ligado com a festa do carnaval em si. Ela está ligada ao rebaixamento dos costumes pré-estabelecidos na Idade Média, apresentados e festejados pelo povo com tonalidade cômica, com o intuito de criticar, pelo menos uma vez ao ano, esses mesmos costumes.
Os personagens da Comedia Dell’Arte, Pierrô, Arlequim, Pantaleão e Colombina, também podiam ser encontrados brincando no salão do Galardão. (FRANCO)
Temos, então, um mito cômico utilizado na Idade Média e no Renascimento. E como utilizar isso numa obra policial? O autor precisou revitalizar o mito carnavalizado. A ideia de um Pierrô como o palhaço triste é, então, o mito. Aquele que não é amado e abandonado. Junte isso a uma mente doentia, e logo temos um serial killer complexo e intensamente ativo. Um criminoso que utiliza um mito para realizar seus crimes. Personagem fecundado na dualidade que utiliza a máscara para sustentar sua sede de vingança. Não é fácil pegar um personagem ícone das novelas medievais e transformá-lo num assassino moderno, altamente manipulador. Mas o resultado foi além do esperado, o que podemos dizer: a ousadia valeu a pena.
Policial de enigma e Policial Noir
Não poderíamos deixar de notar e analisar a estrutura narrativa policial do romance A próxima Colombina. É um gênero fortemente ligado à cultura de massa e, se for requintado, não será um romance policial, como Todorov afirma: “quem quer ‘embelezar’ o romance policial faz ‘literatura’, não romance policial.” (TODOROV, p. 95)
Buscamos as diferenciações dos romances policias. Toda crítica que existe em torno dessas classificações deixaremos de lado, pois o importante para nós é a obra analisada, e não os gêneros estilísticos e seus conflitos. Temos, então, duas vertentes desde o princípio desses romances com o conhecido Edgar Allan Poe: policial de enigma e o mais novo policial noir ou policial americano.
O policial de enigma é aquele que acontece beirando o fantástico, com mortes em castelos, um detetive extremamente inteligente e purista, crimes que focam nem a vítima nem o bandido, somente a mente fantástica do detetive e herói. O policial noir é mais realista, pois ele traz os elementos do cotidiano, os becos, policiais corruptos, prostitutas e vinganças. O segundo é mais desenvolvido se pensarmos em criação de elementos e construção da trama.
Podemos afirmar que A próxima Colombina é um ótimo exemplar desse romance policial noir, visto que ele retrata situações e lugares palpáveis para todos os leitores, sem o velho apelo fantástico. É como mergulhar nas novelas americanas policiais, porém teremos as cidades e ambientes do interior paulista como tela de fundo.
Pensando no herói, Lúcio não é melhor nem pior do que aqueles construídos no policial de enigma. Digamos que ele é um herói real com problemas e situações reais para lidar. Essa construção de herói problemático, em essência, apresenta situações como aquelas que vemos todos os dias. Será que ele conseguirá resolver os crimes? Será que ele conseguirá prender o Pierrô?
Conclusão
Podemos dizer que a obra analisada é um excelente material, desde os paramentos gráficos até a construção do enredo, com pitadas de elementos carnavalescos num gênero policial noir.
Logicamente, cada leitor tira uma interpretação diferente, mas nada tira o encanto de A próxima Colombina.
Portanto, é um livro que indicamos e aprovamos. Parabéns para o autor Ramon B. Franco. Esperamos mais desses livros bem construídos para analisarmos, pois, se existe uma coisa que deve ser valorizada, é a literatura nacional. E, se procurarmos, acharemos grandes obras, não importa o local nem a região do país. Acompanhe as nossas resenhas aqui no OnLiterário.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.
TODOROV, Tzvetan. As Estruturas Narrativas.
Por Artur Gueanori
Veja Também |
|
|
|