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Da Redação, 02/01/2021
Comparado a Machado de Assis, o escritor venezuelano Rómulo Gallegos teve 15 indicações ao Prêmio Nobel e se tornou um dos principais nomes da literatura latino-americana. Porém, “Dona Bárbara”, livro lançado em 1929 que é considerado sua obra-prima, acabou passando despercebido pelos leitores brasileiros. O romance, que faz uma verdadeira crítica ao confronto entre um mundo civilizado e o bárbaro, este que insiste em permanecer vivo por meio de violentas tradições, está fora do mercado editorial do país há décadas. Mas isso mudou agora.
Em campanha de financiamento coletivo, lançada em fevereiro de 2020, a editora Pinard estreia no mercado editorial brasileiro com uma edição completamente nova da obra, com tradução atenta e atualizada, ilustrações primorosas e um profundo texto crítico. A intenção foi não apenas recuperar o texto ficcional, como também permitir que os leitores possam acessar e compreender todo o universo que fez este livro ser considerado “possivelmente o romance latino-americano mais conhecido” em 1974 pela Hispanic Review, revista estadunidense focada na publicação dos romances hispânicos. No total, mais de 700 pessoas apoiaram a ideia e investiram na campanha, viabilizando a impressão de 1 mil exemplares, que começaram a ser entregues em novembro deste ano. Hoje, o livro pode ser adquirido por R$ 74,90 unicamente de forma on-line, por meio do site www.pinard.com.br.
O livro conta com a tradução de André Aires, doutorando em Literatura pela Universidade de Brasília. Com pesquisa voltada para a literatura latino-americana, cursou um ano do doutorado na Universidad de los Andes, em Bogotá (Colômbia). Já ministrou cursos livres na área e publicou artigos sobre a obra de Gabriel García Márquez, autor colombiano de quem também traduziu para o Português a única peça de teatro.
Já as ilustrações estão a cargo da designer Luísa Zardo, formada em 2017 com Láurea Acadêmica em Design com habilitação em Comunicação Visual pela ESPM. Seu trabalho de conclusão de curso foi um estudo sobre como o estereótipo visual clássico pode ser uma barreira de leitura, repensando o design de livros antigos de forma a garantir o interesse de novos leitores. Em 2019, seu projeto gráfico para o livro “O Alforje”, de Bahiyyih Nakhjavani, foi eleito uma das melhores capas do ano pela revista literária Suplemento Pernambuco, uma das mais relevantes do setor no Brasil.
Sobre a obra literária
Escrito em 1929, “Dona Bárbara” tem como cenário uma Venezuela rural, com enredo que foca no conflito entre diferentes famílias ao longo de gerações e a chegada de uma mulher que, por sua beleza e inteligência, corrompe a todos com o objetivo de enriquecer e tomar o poder da região.
Para além do protagonismo feminino, a obra chama a atenção por trazer questões que ainda são bastante atuais na América Latina. Entre eles estão a disputa entre antigos latifundiários e pequenos agricultores, conflitos geracionais, choque entre costumes tradicionais e educação formal, violência contra mulher e racismo.
O romance foi escrito em um contexto bastante interessante. Na década de 1920 descobriu-se um gigantesco poço de petróleo no país, fazendo com que ele se tornasse um dos maiores exportadores do produto no mundo. Ao mesmo tempo, um rápido êxodo rural acaba por tornar a Venezuela no país com a menor população rural da América Latina. A rápida abertura ao mundo acarreta uma série de convulsões sociais, políticas e econômicas que tem consequências até os dias de hoje.
Sobre o autor
Rómulo Gallegos nasceu em 1884 na atual capital venezuelana, Caracas. Apesar de ter origens humildes, chegou a cursar Direito na Universidade Central da Venezuela – a melhor instituição de ensino superior do país.
Após alguns anos, abandonou o curso para fundar a revista literária La Alborada. Começou a dar aula de literatura em 1912, tornando-se diretor em diferentes centros de ensino. Ao mesmo tempo, lançou coletâneas de contos e romances, somando 17 obras literárias publicadas.
Seu sucesso definitivo veio com a publicação de Dona Bárbara em 1929, que foi considerada uma crítica velada ao Juan Vicente Gómez, ditador que liderou o país entre 1908 e 1935. Por causa da perseguição política, exilou-se na Espanha, vivendo lá entre 1931 e 1935. Ao voltar para a Venezuela, abandonou a literatura para se tornar ativo na política, chegando a ser eleito presidente do país em 1948. Porém sua governança dura apenas por nove meses, momento em que o país é tomado por uma ditadura militar. Novamente foi obrigado a se exilar, morando por 10 anos no México. De volta ao país, mas já distante do cenário político, o escritor morre em 1969, com 84 anos, na cidade em que nasceu.
Desde 1965 ele empresta seu nome ao Prêmio Internacional de Novela Rómulo Gallegos, que é concedido a cada cinco anos até hoje às obras hispânicas mais representativas no universo literário. Entre os livros ganhadores estão “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez e “Os Detetives Selvagens” de Roberto Bolaño.
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