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No cruzado e descruzado dos caminhos desta vida, das ‘vortas’ que o mundo dá e de tudo ‘torná’ a começar de novo a cada vez que um nasce, das poucas certezas que me restam, uma me faz pensar que todo brasileiro é meio Riobaldo. O jagunço narrador de ‘Grande Sertão: Veredas’, sólido romance transformador de Guimarães Rosa (1908-1967), incluído entre os 100 maiores livros de todos os tempos pelo jornal inglês The Guardian, ao lado de obras de Homero, Dante Alighieri, Liev Tolstói, Ernest Hemingway, Miguel de Cervantes, William Shakespeare, José Saramago, Fiodor Dostoievski, Jorge Luís Borges, Charles Dickens e Gabriel Garcia Márquez, é um personagem que nos coloca dentro do redemoinho e vai se modificando aos nossos olhos de modo confessional a cada fase da caótica trama ficcional. Riobaldo se traduz no próprio enigma da esfinge de Tebas, da tragédia grega ‘Édipo-rei’, de Sófocles (no enredo, para solucionar a charada e evitar a morte, Édipo revela que o animal que pela manhã tem quatro patas, ao meio-dia duas e ao anoitecer três, era o homem nas fases da vida). Muito de tragédia tem em ‘Grande Sertão: Veredas’, é como se os clássicos personagens do espectro criativo universal – o próprio Édipo, o Hamlet, de Shakespeare, ou Raskólnikov, de Dostoievski – desembarcassem todos no Liso do Sussuarão, ou no Tamanduá-tão, ou por fim e derradeiro, no Paredão, onde o leitor, enfim, conseguirá compreender claramente o sentido da famosa frase do livro ‘O diabo na rua, no meio do redemunho...’. As aflições, incertezas e peripécias de Riobaldo, sempre tentando encontrar uma forma de encaixar a felicidade e a paz no seu viver, têm muito da brasilidade e pouco da soturnidade de personagens clássicos. Aqueles que preferem sempre a vida sob a tutela do tormento. Ao que vejo, Riobaldo não. Na velhice, quando vai rememorando suas aventuras, o tempo da guerra, as tentações e o sofrimento, sempre acaba puxando o leitor para o lado bom, orienta que reza é que cura doidice, transparece doçura muitas vezes onde transbordavam ódio e raiva. Nos envia dentro da turbulência e só solta quando quer. E, há quem consiga deixar de pensar em ‘Grande Sertão: Veredas’ depois que alcança a última página? Aquela menção ao infinito, um oito deitado, só desmente uma frase marcante de Riobaldo: ‘Aqui a estória se acabou. Aqui, a estória acabada. Aqui a estória acaba’. ‘Nonada’, a estória só está começando: a travessia maior ainda está por vir. Mire e veja, o que a gente acabou de ler não é literatura regional e nem literatura universal. A gente acabou de ler foi inquietudes, que ainda vão nos inquietar por muito tempo. É feito o mundo dando voltas e voltas.
Ramon Barbosa Franco, 38, é jornalista e escritor, autor dos livros ‘Getúlio Vargas, um legado político’, ‘A próxima Colombina’ e ‘Contos do japim’. E-mail:
Por Ramon Franco
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