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Quase todos os dias acompanhava suas crônicas, compostas sempre com ironia, acidez e muita, mas muita mesmo, presença de espírito. Era a inteligência viva do jornalismo, permeando a crônica. Crônica que consiste na dose diária de literatura com informação, estilo criativo e denúncia. Assim conheci histórias verídicas de um tempo em que não vivi, mas tive oportunidade de respirar os mesmos ares justamente pelo testemunho de quem lá esteve. Aí, certa vez lendo um artigo de uma colega jornalista que havia se formado comigo e teve o privilégio de estar ao lado dele, descobri que ele tinha cheiro de manga. Parece que o seu pai tinha este mesmo cheiro. E, por ironia do destino – ‘e quem é que sabe o destino da gente?’ já nos indaga Riobaldo nas suas atormentadas vivências pelas quebradas do grande sertão de Guimarães Rosa – ele nos deixa aos 91 anos, mesma idade do pai. Pai que, assim como ele, havia exercido a carreira de jornalista.
Me atinha com mais prazer nas crônicas de sexta-feira. Eram carregadas com um jornalismo literário cativante e vinham com desenhos de artistas plásticos. Era na Ilustrada, da Folha de S. Paulo. Fluxo textual incrível, arrematava os textos feito uma porrada do Cassius Clay, que morreu Muhammad Ali, o gênio dentro e fora dos ringues desta vida. Despertou minha mente para novos olhares e ajudou a reinterpretar tantas coisas: desde o perfil de Tenório Cavalcanti, o deputado federal agressivo que carregava a ‘Lurdinha’ para cima e para baixo – ‘Lurdinha’ era uma submetralhadora alemã com a qual o ‘Homem da Capa Preta’ intimidava adversários políticos e inimigos pessoais – até questões da macroeconomia brasileira – traduzidas por exemplos práticos do nosso cotidiano e, obviamente, do cotidiano do imortal Carlos Heitor Cony. Perdemos um mestre na arte da palavra escrita, da memória, do fazer literário e de um jornalismo primoroso. Sua escrita irá fazer muita falta para o Brasil de hoje. Brasil adverso, sob domínio de contestáveis autoproclamados líderes.
Por Ramon Franco
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