O reconhecimento do samba não se deu facilmente, como explica Freira (2007), em sua tese:
Muitas autoridades tentaram acabar com o samba desde seu princípio. No começo, o samba era não só visto como um tipo de música inadequada para a aristocracia da época, como também era proibido e perseguido pelas autoridades. A alternativa encontrada pelos músicos foi praticar o samba dentro dos terreiros de umbanda, pois, como a religião era permitida, os policiais não podiam invadir os terreiros para acabar com a música – apesar de muitas vezes isto ter acontecido.
Nessa atmosfera de perseguição, elegeu-se na época, locais específicos para o cultivo do samba. Segundo (MAXIMO, DIDIER, 1990 Apud Sandroni 2012), em fins dos anos 1920 existiam no Rio de Janeiro “dois tipos de samba. Um é aquele que se faz, toca e dança nas casas de Ciata e outras ‘tias’ baianas”. Quanto ao segundo tipo de samba, ele “surgiu há poucos anos [a referência é 1929] no Estácio de Sá, bairro situado entre o Rio Comprido e o Catumbi, o morro de São Carlos e a zona do Mangue.”
Um dos principais locais de fomentação do primeiro tipo, foi a casa das Tias Ciata, Bebiana e Gracinha, na cidade do Rio de Janeiro, por volta de 1915, “[...] Roda de samba no morro, só se fosse pra fugir dos perseguidores do samba” (SEVERIANO, 2009).
A principal baiana, segundo Sandroni (2012, p. 87) era a Hilária Batista de Almeida, que entrou para a antologia do samba como Tia Ciata, e completa dizendo que a “A casa de Tia Ciata assumiu, assim, uma dimensão quase mítica como “lugar de origem” do samba carioca.” E era nesta casa que se reuniam os principais sambistas da época. E assim, o samba torna-se, no Rio de Janeiro, uma canção urbana, como explica Severiano (2009).
E nasceu, pode-se dizer, em agosto de 1916, no quintal de uma casa situada na rua Visconde de Itaúna, 117, onde morava a baiana Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciara. No local (...) uma roda de batuqueiros, integrada por Donga, Germano Lopes da Silva, Hilário Jovino Ferreira, Sinhô, João da Mata e a própria Tia Ciata, criou, em noites sucessivas, uma composição chamada “O Roceiro”, que Donga (Ernesto dos Santos) registrou com o título de “Pelo Telefone”. Lançada em discos Odeon, em dezembro de 1916, simultaneamente pelo cantor Bahiano e a Banda da Casa Edison, essa composição tornou-se o primeiro samba de sucesso nacional, deflagrando o processo de popularização do gênero.
Nos anos que se seguiram a gravação deste marco do samba, o gênero passou a ter mais aceitação popular, apesar de algumas proibições veladas das batucadas e das rodas. E assim, passou a ser explorado por compositores e cantores, multiplicando os lançamentos em escala exponencial, que chegaram a 59 sambas durante o ano de 1925, sendo estes apenas os gravados pela Casa Edison. Entre os autores que se incluem na primeira geração de sambistas, segundo Severiano (2009, p. 71) destacam-se as figuras de:
Donga (“O malhador”, “Fica calmo que aparece”), Pixinguinha (“Já te digo”, “Samba de nego”), José Luís de Morais, o Caninha (“Quem vem atrás fecha a porta”, “Esta nega que me dá”), Luís Nunes Sampaio, o Careca (“Bê-á-bá”, “O casaco da mulata”) e, sobretudo, José Barbosa da Silva, o Sinhô (“Quem são eles”, “Confessa meu bem”), sistematizador do samba e o nosso compositor popular de maior sucesso nos anos 20.
Dentre esses mestres, destaca-se como o “Rei do Samba”, nas décadas de 1910-20, José Barbosa da Silva, o Sinhô (1888 - 1930). Foi ele quem projetou o samba na sociedade e aumentou-lhe o prestigio. Compositor com escassos conhecimentos teóricos de música, ele foi, pode-se dizer, o sistematizador intuitivo desse gênero musical. Seus sambas, quase sempre no modo maior, eram melodiosos, inventivos, fáceis de memorizar e marcados por um forte sincopado herdado do maxixe (SEVEIANO, 2009).
Dentre seus vários sucessos, destacam-se aqueles da consagração final, no auge de sua carreira, com sambas como “Amar a uma só mulher”, “A favela vai abaixo”, “Deus nos livre dos castigos das mulheres”, (1928), mais a trinca “Jura”, “Gosto que me enrosco” e “Cansei” (1929), demonstrando verdadeiro refinamento de seu processo de criação musical.
REFERÊNCIAS
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917 - 1933). Rio de Janeiro: Zahar, 2012. 235 p.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: Das origens à modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: 34, 2009. 500 p.
SEVERIANO, Jairo. MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras. 6. ed. Rio de Janeiro: 34, 2006. 366 p.
Por Milton Alves