Divulgação
‘Voando Alto’ no nosso grito primal
Numa dessas coincidências inexplicáveis uni no mesmo dia um aprendizado que quero compartilhar com todos. Era sábado véspera do Domingo das Mães deste ano e encafifei com um trecho do livro de James Mitchell sobre a temporada de John Lennon em Nova York – trata-se de um livro-reportagem que reconta o período em que o ex-Beatle se muda com sua esposa, Yoko Ono, para os Estados Unidos, e por lá, começa a dar uma guinada panfletária política para sua obra musical e no perfil artístico.
O trecho fazia referência à música ‘Mother’, de Lennon, destacando o lance do grito primal contido nesta moda. Mais à frente, em ‘John Lennon em Nova York – os anos de revolução’ (publicado em 2013 pela Seven Stories Press com o título original em inglês ‘The Walrus & The Elephants: John Lennon’s Year of Revolution’) o autor, James Mitchell, faz outra referência ao sentimento maternal do líder dos cabeludos de Liverpool: um dos músicos da The Elephants havia acabado de perder sua mãe vítima de um atropelamento, assim como ocorrera com a mãe de Lennon, Júlia. A mãe do autor de ‘Imagine’ morrera atropelada por um motorista bêbado antes de Lennon realizar sua primeira gravação. O ex-Beatle e este músico da banda nova-iorquina, o Gabriel, dividiam a mesma dor, o mesmo luto e, por isso, passaram a desenvolver fortes vínculos de amizade muito leal.
Me interessei em saber um pouco mais. Não sobre esta camaradagem, mas o que vem a ser o afamado ‘grito primal’. Em linhas gerais e resumidas é o primeiro grito que damos ao chegar neste mundo. Há uma técnica terapêutica que recorre ao berro de todos os humanos recém-chegados.
Passada esta curiosidade, entramos na noite de sábado reclusos em minha casa por imposição do isolamento sanitário destes tempos de pandemia. Ao lado da família, assisti a despedida dos integrantes do BBB 21, no epílogo do que estão chamando de maior Big Brother de todos os tempos. Aliás, definição que concordo e compactuo. Aqui vai uma observação: comecei torcendo pelo Fiuk, em seguida integrei o time do Rodolfo, depois passei para o Caio e terminei triste porque o Gil do Vigor não chegou à final. Gil é o campeão moral do BBB 21, na minha opinião, assim como a Seleção Brasileira de 1978 levou aquela Copa do Mundo disputada na Argentina. Só para explicar: o Brasil ficou em terceiro, a campeã foi a Argentina numa semifinal controversa que entrou para os equívocos da Fifa, assim como a famigerada final de 1998 entre o Brasil e a França, lá na terra do croissant.
Eis que, na programação televisa da madrugada do Dia das Mães, a TV exibe um filme de 2016 que, não sei bem porque, estava escondido da minha colheita de cinéfilo: ‘Voando Alto’. O ator que faz o Wolverine (Hugh Jackman) e o ator que interpretou o Elton John (Taron Egerton) , na cinebiografia ‘Rocketman’ formam uma dupla e tanto, com cumplicidade e compartilham dores distintas, mas idênticas na carga de inconformidade. Repetem, em certo ponto, a mesma camaradagem de Lennon e Gabriel, o músico da The Elephant. O grito de Eddie, a Águia, que incrivelmente retoma depois de décadas a equipe olímpica de salto de esqui da Inglaterra foi o destaque dos Jogos Olímpicos de Inverno do Canadá, de 1988, é muito próximo do urro que damos ao nascer. Este grito fica eternizado na nossa memória afetiva e, vira e mexe, queremos repeti-lo: seja para celebrar uma vitória, seja para exorcizar o peso de um fracasso. Com o tempo, aprendi que a palavra fracasso não existe: existe resultado de tentativas. Em tempos de busca por esperanças, o filme é a indicação para encontrarmos inspiração de onde nem imaginamos que possa ainda ter.
Ramon Barbosa Franco, 41 anos, é escritor e jornalista, autor de ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Getúlio Vargas, um legado político’ e das narrativas inéditas ‘Os canônicos’, ‘Canavial, os vivos e os mortos’ e ‘Dias de pães ázimos’ (e-mail:
Por Ramon Franco